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Arquivo para abril 2010

Lei da Anistia, paz e justiça

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Rogério Simões | 16:19, sexta-feira, 30 abril 2010

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ruandablog.jpgO Supremo Tribunal Federal decidiu: a anistia assinada em 1979 é mesmo "ampla, geral e irrestrita". A corte rejeitou o pedido da Ordem dos Advogados do Brasil de uma revisão da legislação. A OAB tentava retirar do perdão generalizado do governo João Figueiredo o crime de tortura cometido por agentes do Estado, nos chamados "porões da ditadura". Na visão da entidade, a tortura estaria fora dos crimes políticos previstos pela anistia, devido à sua natureza de crime contra a humanidade. Mas o STF manteve o espírito original da lei: mais do que um ato de justiça, na interpretação do tribunal, a legislação foi um ato político de pacificação nacional, em que o Estado militar e aqueles que se lançaram contra ele ficaram isentos de punição por suas ações violentas ou políticas. Entre a justiça e a paz, optou-se pela paz.

Essa difícil escolha tem marcado muitos dos conflitos das últimas décadas mundo afora. Muitas vezes, a busca por justiça, que pode se confundir com vingança ou revanchismo, mantém acesa a chama do ódio e lança sementes para uma retomada do conflito. Por isso mesmo a África do Sul, onde uma punião à elite branca por décadas de apartheid era justificável, escolheu o caminho da paz, mas sem apagar da história os crimes cometidos. A , considerada de forma geral bem-sucedida, deu a chance para que vítimas do regime racista sul-africano prestassem depoimento e descrevessem seu sofrimento. Autores de crimes eram então confrontados e tinham a chance de dar sua versão, podendo, mediante a admissão de responsabilidade, ser anistiados. Justiça exatamente não foi feita, até porque a ideia não era prender ninguém. Mas a comissão significou um processo de pacificação nacional. Visava o futuro, não o passado.

Para Ruanda (foto acima), após o genocídio de tutsis e hutus moderados em 1994, a comunidade internacional viu a necessidade de realização de justiça propriamente dita. Para isso, a ONU criou o , que continua condenando envolvidos na organização da campanha de extermínio. Mas no país africano um processo paralelo de reconciliação foi iniciado, , que colocam frente à frente parentes de vítimas e autores de massacres. Não os que coordenaram a matança, mas aqueles que, diante da histeria coletiva e muitas vezes sob a ameaça de comandantes locais, saíram com facão em punho matando indiscriminadamente. São encontros bastante emocionais que terminam em sentenças leves, em troca da oportunidade de as vítimas terem seus casos esclarecidos.

O Brasil teve algo semelhante, o julgamento sem valor jurídico da Lei de Segurança Nacional, no início dos anos 80, no Teatro Municipal de São Paulo. O evento reuniu vítimas da repressão militar que descreveram suas experiências. Mas, ao contrário dos tribunais comunitários de Ruanda, nenhum dos autores dos crimes estava presente. A sociedade brasileira ainda não estava preparada para dissecar seu passado recente, assim como não estavam seus vizinhos sul-americanos. Com o passar do tempo, entretanto, nações como Chile e Paraguai tiveram suas "comissões da verdade" para expor as feridas deixadas por seus regimes de exceção. O Brasil ainda espera pela sua, e o assunto virou polêmica. Já a Argentina foi além e partiu para o julgamento e prisão dos líderes da sua sangrenta ditadura militar.

Processos políticos costumam levar a escolhas, quase sempre difíceis e às vezes distantes do caminho desejado originalmente. Na falta do ideal, opta-se pelo possível. A pacificação pode exigir o abandono da punição, ou pelo menos de sua aplicação plena. Algumas sociedades, no entanto, não desistiram. Garantida a paz, foram atrás de sua parcela de justiça.

Contágio na Europa

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Rogério Simões | 18:15, quarta-feira, 28 abril 2010

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grecia.jpgA palavra do momento aqui na Europa é "contágio". O termo, se utilizado na área da economia, foi nas últimas décadas associado às regiões menos estáveis do mundo, Ásia, África e América Latina. A crise do petróleo contagiou os latino-americanos nos anos 70 e causou a crise da dívida brasileira dos 80. A crise asiática de 1997 contagiou todo o mundo em desenvolvimento. A crise russa do ano seguinte agravou a situação, contagiando os países emergentes, num processo que anos depois acabou praticamente quebrando a Argentina. Era crise que não parava mais, com um contágio atrás do outro. Mas agora temos uma novidade: o contágio europeu.

O estado da economia europeia, que depois da crise financeira de 2008/09 continou na UTI, agravou-se com os crescentes sinais de que os problemas da Grécia eram mais graves do que se pensava. Agora sabe-se que o país precisa de uma ajuda realmente de peso dos seus parceiros da zona do euro (leia-se Alemanha e França). Claro, fazia tempo que a crise na Grécia era séria, mas na terça-feira entrou em campo um dos mais temidos personagens de qualquer crise econômica: a agência de avaliação de risco. A Standard & Poor's, dos Estados Unidos, divulgou que passava a considerar a dívida grega como de alto risco (caiu de BB+ para BBB-). Ou seja, quem é credor dos gregos pode se acostumar, segundo a agência, com a possibilidade de não receber seu dinheiro de volta. Quando isso acontece, é normal que todos comecem a olhar em volta para ver se o problema grego não se espalhou para outros países.

Antes mesmo da especulação sobre outras nações em apuros, a Standard rebaixou a dívida também de Portugal, que está num nível significamente melhor do que a grega, para A-. A mesma agência foi além nesta quarta-feira, reduzindo o status da dívida da Espanha, de AA+ para AA. As bolsas europeias tiveram um dia terrível na terça e voltaram a operar no vermelho nesta quarta. O contágio europeu continua e pode ser maior. O diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional), Dominique Strauss-Kahn, .

Aqui na Grã-Bretanha, apesar de a moeda ser diferente, o medo do contágio é real. A libra segue desvalorizada, diante dos problemas econômicos do país, que tem hoje um déficit recorde no período pós-Segunda Guerra. A resposta poderá vir em breve, já que na próxima semana o país escolhe um novo governo. Os economistas já avisam: qualquer que seja o vencedor terá de reduzir drasticamente o déficit para fugir desse contágio europeu, o que significa corte de gastos públicos e aumento de impostos. Exatamente o mesmo que manifestantes nas ruas de Atenas vêm, há meses, tentando evitar. Se o remédio amargo tiver de ser dado, protestos semelhantes podem até aparecer nas ruas de Londres. E, mesmo assim, como em toda epidemia, a proteção do contágio não estará garantida.

A natureza desafia a humanidade

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Rogério Simões | 15:00, quarta-feira, 21 abril 2010

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ashesblog.jpgUm vulcão de nome esquisito, na remota Islândia, fez o que nem os atentados e ameaças de Osama Bin Laden haviam conseguido: interrompeu por quase uma semana o tráfego aéreo em praticamente toda a Europa. Ciente do tamanho do estrago causado pela erupção do agora famoso Eyjafjallajokull, já que escrevo este texto de São Paulo em vez de Londres, para onde eu deveria ter retornado no último sábado, vejo que a natureza testa mais uma vez os limites da mobilidade humana.

Alguns já acreditam ser o início do fim do mundo: terremotos devastadores no Haiti, Chile e na China; enchentes sem precedentes no Rio de Janeiro e em São Paulo; nevascas que paralisaram França e Grã-Bretanha; e agora um vulcão afetando a vida de milhões de pessoas ao redor do mundo. A verdade é que o ser humano, cujas atividades têm contribuído para variações drásticas do clima na Terra, como já concluiu a comunidade científica, está cada vez mais exposto a destruidores fenômenos naturais. Antes de 2010, a última erupção na geleira islandesa de Eyjafjallajokull havia ocorrido no início do século 19, quando a humanidade só se deslocava sobre a terra a pé ou com o auxílio de animais. Para cruzar oceanos, a única opção era a navegação. Pois em 1821 o Eyjafjallajokull acordou, causando imensas enchentes, mas com prejuízo apenas para os moradores da ilha. Com a humanidade hoje completamente dependente do transporte aéreo (mesmo quem não voa geralmente consome produtos transportados por aviões), as cinzas do vulcão islandês atingiram em cheio as veias que alimentam a vida moderna.

O ativista britânico George Monbiot escreveu no jornal The Guardian que . Para ele, a humanidade é vítima de sua dependência de relações complexas com o mundo exterior, que passam tanto por ligações aéreas como por conexões online entre instituições financeiras dos quatro cantos do mundo. Ele sugere que nós optemos por uma vida mais simples, menos dependente da tecnologia, particularmente da aviação. O autor vem, há tempos, condenando tal indústria como um dos grandes vilões do aquecimento global e diz que, quanto mais dependentes formos de andar de avião, mais vulneráveis ficaremos.

O vulcão islandês provou que ele tem certa razão, mas qual seria a opção? Abandonar os avanços tecnológicos que permitiram que povos das mais diversas localidades pudessem se conhecer e se compreender melhor? A mobilidade e a interdependência não seriam avanços no desenvolvimento da humanidade, fatores de um mundo que, apesar de muitos percalços, tem hoje um sentido maior de unidade? Sem as tecnologias que aproximaram nações, do navio e avião ao telefone e à internet, não estaria o ser humano condenado a desconfiar e declarar guerra ao habitante de outras terras? Talvez. Ou talvez a humanidade chegue a um momento em que, obrigada pelas circunstâncias ou devido à sua sabedoria, consiga satisfazer suas necessidades sem desafiar seus limites naturais. Caso contrário terá de aceitar que não há saída: de tempos em tempos, será desafiada pela própria natureza.

Brasil, Copa e Olimpíada

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Rogério Simões | 15:19, terça-feira, 13 abril 2010

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rio2016bloged.jpgAlguém se lembra da Copa de 2006? O momento em que Roberto Carlos dedicou preciosos segundos à sua meia, deixando Thierry Henry livre para eliminar a Seleção Brasileira? Ou a cabeçada de Zinedine Zidane no italiano Materazzi que rendeu ao francês um inusitado fim de carreira? Claro que todos lembramos, afinal faz pouco tempo. Quatro anos passam voando, e de certa maneira o último Mundial parece ter sido "ontem". Pois são também apenas quatro anos que separam o Brasil da Copa de 2014, para a qual o país se comprometeu com investimentos em infraestrutura dentro e fora dos estádios. Até agora, pouco se viu de concreto e até mesmo nas pranchetas de arquitetos.

A polêmica sobre a utilização ou não do estádio do Morumbi no Mundial do Brasil (segundo o jornal O Estado de S.Paulo , , informação ) reforça as preocupações daqueles que duvidam da capacidade de o Brasil realizar um evento bem-sucedido. Quatro anos antes, o prazo para início das obras em estádios não foi cumprido (novo prazo é início de maio), e São Paulo é apenas uma entre várias dores de cabeça da entidade máxima do futebol mundial. O projeto de reforma do estádio de Brasília foi suspenso por suspeitas de superfaturamento, os aeroportos brasileiros ainda não têm condições de receber a provável avalanche de turistas/torcedores, e as chuvas do Rio mostraram que o bairro do Maracanã pode ser presa fácil de uma poderosa frente fria.

As autoridades paulistas, que tentam desesperadamente manter a cidade de São Paulo na Copa de 2014, haviam prometido investimentos em transporte em torno do Morumbi. Entre eles, , que deve ligar o aeroporto de Congonhas ao estádio sãopaulino, por meio de trens suspensos. O Metrô paulista também já constroi a estação São Paulo-Morumbi, fundamental para o transporte de torcedores em 2014. Caso o projeto paulistano para a Copa seja mesmo transferido para outro ponto da cidade ou mesmo abandonado, que impacto a decisão terá nos projetos do Metrô? Se o estádio do São Paulo for, afinal, utilizado, conseguirá o governo estadual construir a linha Ouro em apenas quatro anos? Onde será a abertura da Copa de 2014? A capital do Brasil, Brasília, será incluída? Pode o Brasil fazer um Mundial sem a sua capital federal nem sua maior metrópole? São perguntas que precisam ser respondidas rapidamente, e a Fifa sabe disso.

A Fifa também sabe que concedeu ao Brasil o direito de organizar a Copa de 2014 porque havia prometido um rodízio entre continentes e, para esse Mundial, ninguém mais na América do Sul se candidatou. A entidade não teve escolha, a não ser premiar o Brasil e cobrar uma Copa bem feita. Já a escolha do Rio de Janeiro como sede da Olimpíada de 2016 foi uma vitória de verdade. A capital fluminense bateu a Chicago de Obama, além de Madri e Tóquio, numa mostra de que o Comitê Olímpico Internacional confiava na força de um novo Brasil, como eu mesmo escrevi neste espaço na época. Mas a terrível tragédia causada pelas chuvas, que matou centenas e desabrigou milhares, mostrou também a vulnerabilidade da cidade como um todo, o que já preocupa o COI.

Para os Jogos faltam seis anos, portanto o tempo para surgir o Rio olímpico é maior do que para criar uma infraestrutura para a Copa. Mas a missão de realizar os dois maiores eventos esportivos do planeta, com novas redes de transporte, um trem de alta velocidade, parque olímpico, estádios etc, etc, etc, exigirá muito das autoridades do esporte e fora dele. Não se trata apenas de um compromisso com o mundo, mas de um dos maiores desafios do Brasil como potência emergente.

Sedentos por tecnologia

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Rogério Simões | 21:47, terça-feira, 6 abril 2010

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ipadblog.jpgO badalado lançamento comercial do iPad, novo produto da Apple, nos Estados Unidos, foi acompanhado pela empolgação de muitos e o olhar desconfiado de outros. O equipamento mudará a vida de leitores de livros e usuários da internet? Ou trata-se apenas de uma inflada ofensiva de marketing para um produto que pouco acrescenta à revolução iniciada por seu primo mais velho, o iPhone? Como no caso de toda nova tecnologia, será preciso esperar um pouco mais para conhecer o verdadeiro impacto do iPad no mercado de mídia digital e na vida do cidadão comum. Mas é impressionante ver a ansiedade e a expectativa que a chegada de uma supostamente revolucionária tecnologia provoca em seus futuros consumidores. Inovadoras formas de se comunicar ou consumir produtos e serviços são hoje abraçadas sem medo, por usuários esperançosos de que, com elas, possam atingir conhecimentos e mundos antes inexistentes ou de acesso restrito.

O ser humano parece cada vez mais sedento por novas tecnologias. No continente mais pobre do planeta, em cujas áreas mais remotas uma tradicional linha telefônica sempre foi privilégio de poucos, a revolução digital já é uma realidade. , no ano passado, promete transformar vários setores da economia no continente. Ruanda, palco do genocídio de tutsis e hutus moderados nos anos 90, , com grandes projetos de expansão da internet às suas áreas mais carentes.

Como parte da recente série especial da ̳ sobre o poder da internet, ܱdzêԳ, alguns experimentos mostraram esse desejo de conhecer e dominar novas tecnologias. Uma vila na Nigéria recebeu telefones celulares que proporcionaram a seus moradores um primeiro contato com a internet, e o projeto "SuperPower Nation" gerou uma inédita conversa global por meio dos sites da ̳. Nesse papo sem fronteiras ou barreiras linguísticas, internautas brasileiros, por meio da ̳ Brasil, foram destaque. O Brasil foi o segundo país em número de mensagens enviadas, atrás apenas da Grã-Bretanha, e o português perdeu somente para inglês e espanhol entre as línguas mais utilizadas. O Google Translate, cuja ferramenta proporcionou a tradução das mensagens em sete línguas diferentes, postou uma mensagem sobre o experimento em seu blog. Disse que a iniciativa mostrou como a ferramenta, apesar de ainda precisar ser aperfeiçoada, pode aproximar pessoas de diferentes partes do mundo que não falam a mesma língua. E, como exemplo da disposição em abraçar mais essa nova tecnologia, reproduziu a mensagem de um dos internautas da ̳ Brasil que participaram do evento. "Acredito que isto pode dar certo!", escreveu Nathana. Com a mesma disposição daqueles que passaram horas na fila para comprar o iPad no dia de seu lançamento, cidadãos de várias partes do mundo acreditam no poder das novas tecnologias. Com elas, apostam que poderão fazer coisas que antes pareciam impossíveis.

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