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Uma revolução puramente egípcia

Rogério Simões | 2011-02-11, 12:30

egitoblognovo.jpgO presidente Hosni Mubarak renunciou. O líder de um dos mais autoritários regimes do Oriente Médio não sobreviveu aos 18 dias de protestos nas ruas do Egito, que atraíram milhões de pessoas. O movimento não contou com líderes claros ou tendências políticas definidas. Reuniu muçulmanos, cristãos e diferentes ideologias. A banida Irmandade Muçulmana reforçou o coro da população insatisfeita, e o ex-chefe da agência da ONU para energia atômica Mohamed Elbaradei chegou a apresentar-se como um possível líder das massas. Mas o movimento não queria bandeiras ou representantes específicos. Seu objetivo era simples: derrubar o regime, pôr um fim no modelo político baseado na repressão de vozes populares. Sua reivindicação principal era a saída do líder da ditadura, e o que parecia impossível foi obtido diante dos olhares do mundo todo.

Hosni Mubarak, um ex-comandante da Força Aérea do Egito que acabou chefiando o país por três décadas, não escolheu exatamente a carreira de ditador. Quando, em uma de suas falas recentes, lembrou que nunca quis o cargo que ocupava, Mubarak não estava exatamente mentindo. O que o levou ao posto foi o assassinato de Anwar Sadat por radicais islâmicos, fato que deixou a Presidência no colo de Mubarak. Sua obrigação, em um momento extremamente delicado para o país, era preservar um regime que já existia desde os anos 50. Ao longo de 30 anos, entretanto, a figura de Mubarak ganhou força, e seu plano de passar o poder para seu filho indicava uma característica mais personalista da ditadura. Mubarak, que se utilizou de uma brutal polícia repressora e, segundo denúncias, possui uma fortuna bilionária no exterior, foi assumindo com o passar do tempo todas as credenciais de um típico déspota.

Em seus últimos pronunciamentos, Mubarak apresentou-se como um patriota. Lembrando seu passado de militar, defensor da integridade política e territorial do Egito, inclusive durante a ocupação israelense da Península do Sinai, ele disse ser um servo da pátria. O que os milhões de manifestantes nas ruas do país lhe respondiam, entretanto, era que a pátria não precisava mais de seus serviços. O tempo havia mudado, as necessidades eram outras, e o Egito entrara numa nova fase da sua história. O próprio Exército, enviado inicialmente para conter os protestos, foi forçado a admitir a legitimidade de suas reivindicações. A população disse continuar admirando seus militares, que tanto fizeram pelo país no passado, mas deixou claro que um novo regime deveria nascer das manifestações de rua.

O futuro do Egito ainda está para ser definido, e entre os espectadores mais atentos estão três governos com passados e agendas políticas muito diferentes. Estados Unidos, Israel e Irã gozavam de um certo conforto com o regime de Mubarak. Com ele Israel estabeleceu uma paz essencial para a segurança de grande parte do seu território. Washington tinha em Mubarak o maior aliado no mundo árabe, que ao mesmo tempo controlava o avanço fundamentalista e garantia estabilidade a Israel. Já o Irã, adversário de nações sunitas como o Egito, compartilhava com Mubarak a crença de que a democracia plena não era uma alternativa viável para a região. Agora os três países precisam, por motivos diferentes, adaptar-se à nova realidade.

O regime islâmico do Irã, apesar de ver com bons olhos o possível avanço no Egito de ideologias contrárias ao Ocidente, vai combater a ideia de que a voz do povo merece ser sempre ouvida. Por isso mesmo, promoveu a interrupção dos sinais do canal persa da ³ÉÈËÂÛ̳, que vinha fazendo cobertura extensiva dos acontecimentos no Cairo. Os Estados Unidos tentarão manter a aliança com os militares egípcios, que são o alicerce do poder no país, enquanto Israel torce para que o possível estabelecimento da democracia não permita avançar no vizinho um sentimento hostil ao Estado judeu. O que os recentes acontecimentos no Cairo mostram, no entanto, é que as potências estrangeiras terão de acatar a vontade dos egípcios e de suas instituições. Apesar de instigado pelos acontecimentos da Tunísia, que semanas antes derrubou o seu próprio ditador, o movimento iniciado em 25 de janeiro, com a ajuda da internet e suas redes sociais, foi uma revolução puramente egípcia. Uma nova geração de cidadãos foi à²õ ruas pela derrubada de um regime que deixara de atender à²õ suas aspirações, sem copiar ninguém ou atender ao chamado de algum líder. Qualquer que seja o caminho a ser tomado pelo Egito, ele parece estar sendo traçado de forma espontânea e independente.

°ä´Ç³¾±ð²Ô³Ùá°ù¾±´Ç²õDeixe seu comentário

  • 1. à²õ 10:46 PM em 12 fev 2011, Emanuelle escreveu:

    É impressionante o poder dessa nação egipcia, quem dera nós brasileiros fossemos assim para defender os interesses do nosso país contra essa corrupção.

  • 2. à²õ 12:45 PM em 14 fev 2011, Roberto Küll Júnior escreveu:

    Essa Revolução ganhou importância pela forma em que as manifestações foram cunhadas. Já foi dito e concordo, que uma "nova" forma de se fazer revoluções foi criada. Com o advento da internet, a globalização e os sites de relacionamentos; as novas formas de criar Revoluções ganharam força e se espalharam pelo mundo antigo.

    Os ativistas virtuais conseguiram colocar milhares de pessoas nas ruas que permaneceram unidos pelos mesmos ideais duarante os dezoito dias. Isso é um fenômeno social tão fantástico, que me faz ver como essa essa nova forma de se fazer revolução é rica em detalhes. Da dialética entre desobediência civil e obediência aos ímpetos revolucinários, a um tocar nas teclas de computador, e pronto, milhares de pessoas nas ruas. Reforça a tese do poder das idéias.

    Um outro fator que observei, foi a maneira que a informação da Revolução do Egito apareceu na mídia, levou a opinião pública internacional a crer, que essa Revolução não houve líderes. - Tenho dúvidas a esse respeito - dúvidas da suposta ausência de líderes desse movimento popular, que tirou um presidente do poder. É arriscado defender que houve uma "vontade externa" a do povo egípcio nesse processo. Mas seria uma ótima manobra para deixar os verdadeiros responsáveis no anonimato.

    Caso houvesse esssa "vontade externa", quais seriam as motivações? Quem poderia provocar esse fenômeno social?

    A crise provocada pela expansão dos assentamentos judaícos, o monopólio da água e o assassinato de parte da tripulação da flotilha, que trazia ajuda humanitária para Gaza, poderiam ser um estopim, um fator de motivação para provocar a queda de um importante aliado de Israel. A queda do presidente Hosni Mubarak abre uma pequena possibilidade de uma futura guerra. É claro, tem mais... mas estou especulando e paro por aqui.

    Rogério obrigado. Espero qualquer dias desses poder ajudar a derrubar um governo corrupto também.
    Um abraço.

  • 3. à²õ 09:18 AM em 15 fev 2011, Mari escreveu:

    Oi, Rogério,
    Você viu este artigo?

    Meio longo, mas interessante. É no mínimo curioso o jeito como o autor dá uma minimizada na força das manifestações e das redes sociais para defender um processo político mais complexo do que vem sendo noticiado por boa parte da mídia.
    Abs, Mari.

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