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Arquivo para maio 2010

Irã e Coréia, dez anos atrás

Rogério Simões | 12:56, quinta-feira, 27 maio 2010

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kimblog.jpgMuita coisa pode mudar em uma década, que o digam Irã e Coréia do Norte. Diante das tensões atuais, envolvendo especialmente seus avanços na área nuclear, poucos se lembram que os dois países viviam um processo de aproximação com o Ocidente no início deste século.

Em outubro de 2000, o governo do presidente americano Bill Clinton chegava ao fim, e sua secretária de Estado, Madeleine Albright, fazia história. No melhor espírito pacificador pós-Guerra Fria, e dançou com um grupo de crianças norte-coreanas. Parecia que as transformações da década anterior no Leste Europeu chegariam finalmente à dividida península coreana. Um mês antes de sua visita a Pyongyang, o mais importante contato entre Estados Unidos e Irã desde a revolução islâmica de 1979. Naquele mesmo ano, a secretária de Estado havia pedido desculpas ao regime em Teerã pelo apoio americano ao golpe de Estado de 1953, que derrubou o primeiro-ministro Mohammad Mosaddegh e recolocou no poder o xá Reza Pahlavi. Já no governo de George W. Bush, o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, nos Estados Unidos.

Na época, o presidente iraniano era o reformista Mohammad Khatami, e tudo parecia indicar que as relações entre Washington e Teerã seriam mais amistosas. Após o Talebã, de quem o regime iraniano é inimigo antigo, ter sido derrubado do poder no Afeganistão, o Irã participou de discussões com o governo americano sobre o futuro político do país. Aqui em Londres, o governo britânico também via o presidente Khatami com simpatia. Duas semanas após os atentados da Al-Qaeda nos Estados Unidos, , para mostrar que o Ocidente contava com a ajuda iraniana contra o Talebã. Era o primeiro encontro de um líder do regime islâmico iraniano com um alto representante da Grã-Bretanha, potência que no passado também conspirou em favor do xá.

O que aconteceu para que o processo de aproximação entre o Ocidente e a Coréia do Norte e o Irã fosse interrompido? Obviamente, há muitos elementos dentro do regime iraniano que nunca desejaram tal aproximação, e é impossível decifrar o que se passa na cabeça do coreano Kim Jong-Il. Estamos falando de dois regimes cuja própria existência baseia-se, em boa parte, no confronto com o mundo exterior. Mas é fato que a mudança de rumos deu-se após a chegada de George W. Bush à Casa Branca e, mais especificamente, depois de seu primeiro discurso do Estado da União. Em janeiro de 2002, enquanto o então presidente sul-coreano e vencedor do Nobel da Paz, Kim Dae-Jung, lutava para manter o diálogo com seus vizinhos comunistas, e o reformista Khatami tentava vencer as disputas internas com os conservadores iranianos, Bush ignorou os esforços progressistas nas duas regiões.

Depois disso, não houve praticamente avanços diplomáticos nos dois casos, pelo contrário. Em 2003, a Coréia do Norte retirou-se do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, e em 2006 anunciou ter testado com sucesso sua primeira bomba atômica. Um ano depois, a Coréia do Sul elegeu como presidente Lee Myung-Bak, um conservador contrário à política de aproximação com o norte. No Irã, a abertura tentada por Mohammad Khatami foi progressivamente perdendo força, e o país entrou em embate com a agência nuclear da ONU. Em 2005, um relativamente obscuro prefeito de Teerã, o conservador Mahmoud Ahmadinejad, venceu as eleições presidenciais. Era o fim das tentativas de reformas no regime iraniano.

Nos últimos anos, a história tem sido praticamente a mesma, a não ser pela mudança de comando nos Estados Unidos. Barack Obama prometeu melhorar as relações de Washington com o resto do mundo, incluindo seus inimigos históricos. Mas os ressentimentos e as tensões continuam e, aparentemente, devem permanecer ainda por bastante tempo.

Euro e o futuro da integração

Rogério Simões | 14:44, sexta-feira, 21 maio 2010

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euroblog.jpgO presidente da França, Nicolas Sarkozy, teve de sair em defesa da moeda única europeia durante entrevista coletiva em Paris, ao lado do primeiro-ministro britânico, David Cameron. lembrando que pouco depois de ser criado o euro tornou-se a segunda mais importante moeda do mundo, atrás apenas do dólar americano. Cameron, um premiê conservador que prometeu antes das eleições nunca adotar o euro, parecia bastante aliviado por seu país ter mantido sua moeda nacional. Mas a crise envolvendo o euro, caso se agrave ainda mais, não deverá poupar a economia britânica, pelo contrário, já que 60% das exportações do país seguem para seus vizinhos de continente. "Eu acho que nós acertamos por não termos adotado o euro e acertamos em ficar fora do euro. Mas é do interesse da Grã-Bretanha que a zona do euro seja um sucesso."

O tema não interessa apenas aos europeus. Não é à toa que as bolsas de valores dos mundos desenvolvido e emergente vêm despencando dia após dia. A bolsa de Londres ficou nesta sexta-feira abaixo do marco psicológico dos 5 mil pontos, o que não acontecia desde meados de 2009. A bolsa paulista acumulou seis dias de queda consecutivos. Investidores em qualquer parte do mundo sabem que a crise do euro é um indicativo da gravidade do estado das finanças públicas em várias nações europeias, que mal conseguiram se recuperar da crise financeira de 2008/09. Uma moeda é um medidor da saúde econômica de quem a imprime, e a saúde europeia preocupa. Mas, no caso do euro, existem duas perguntas sendo constamentemente feitas por analistas econômicos e que mostram quanto o atual momento assusta: como pode a zona do euro resolver o problema das suas nações mais endividadas (primeiramente a Grécia, mas também Portugal, Espanha ou Itália) se exatamente por causa da moeda única elas não têm políticas monetárias autônomas? Além disso, caso a Grécia abandone o euro e retome seu antigo drachma, para poder resolver seus problemas isoladamente, qual seria o impacto para a integração europeia? Como ficaria o futuro econômico e político do continente?

Ao longo dos anos 90, a palavra "integração" tornou-se quase uma panaceia na política internacional. O modelo europeu inspirava as discussões sobre o futuro do Cone Sul, com o Mercosul sonhando em um dia ter sua moeda única (tal discussão, inclusive, voltou às pautas do bloco sul-americano nos últimos anos). Imaginava-se que a integração econômica, que garantia uma maior unidade política, era uma tendência da qual não se poderia escapar. Aqui na Grã-Bretanha, muitos escreveram no começo deste século que, se o país não adotasse o euro em um futuro próximo, seria relegado ao ostracismo econômico, perdendo em competitividade com as nações continentais. Mas e agora? Quem se arrisca a colocar a mão no fogo pelo futuro da integração europeia? Se os impressionantes US$ 1 trilhão prometidos pelo bloco para proteger as economias mais vulneráveis da zona do euro não conseguiram acalmar os mercados, se as regras que pautaram o lançamento do euro (déficit orçamentário de até 3% do PIB, dívida de até 60% do PIB) foram completamente estouradas por muitos países da zona do euro, como recuperar a credibilidade da moeda? Se a credibilidade do euro estiver condenada, como fica a União Europeia?

O mundo em 2010 é muito diferente daquele que se moldava após a fim do comunismo no Leste-Europeu. A ascensão de novas potências, como China, Índia e Brasil, fragmentou a estrutura econômica global. A União Europeia continua sendo um projeto poderoso e de grandes ambições. Mas a ideia da formação de grandes blocos, que já foi vista como tendência natural da globalização, pode se tornar uma de suas grandes vítimas. Uma nação como o Brasil, ciente do seu potencial, não se limitou a integrar-se com seus vizinhos. Lançou-se a alianças das mais diversas, independentemente de geografia ou ideologia, instinto que também aproximou a China da África subsaariana. Não há dúvida de que a interdependência, uma das maiores características do processo globalizador das últimas décadas, veio para ficar. Mas Estados nacionais poderão ser obrigados a defender sua autonomia, se quiserem sobreviver aos seus efeitos.

Irã: sucessos e limites do Brasil

Rogério Simões | 15:24, segunda-feira, 17 maio 2010

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lulairablog2.jpgO acordo assinado entre o Irã, a Turquia e o Brasil, para troca de urânico pouco enriquecido por combustível nuclear, não transformou a crise que já se arrasta há anos. Primeiro, o próprio Irã tratou de colocar os pingos nos is: Teerã deixou claro que o acordo desta segunda-feira, comemorado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva como uma "vitória da diplomacia", não altera a questão central. O Irã continuará enriquecendo urânio dentro do seu território. O acordo foi um sinal de boa vontade, que pode evitar novas sanções da ONU contra o país e levar a novas negociações entre o regime iraniano e o grupo que reúne os membros permanentes do Conselho de Segurança e a Alemanha. Mas uma solução para o principal impasse está longe de ser alcançada no curto prazo.

As potências ocidentais já deram a sua reação aos esforços brasileiros e turcos: apesar do acordo, continuarão mantendo a pressão por novas sanções contra o Irã, por não confiarem no regime dos aiatolás. Querem que o Irã cumpra o que o Conselho de Segurança da ONU já determinou: que suspenda o enriquecimento de urânio em seu território. Brasil e Turquia conseguiram um avanço considerável, mas o poder principal nas relações internacionais continua nas mãos das potências tradicionais. É verdade que Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Rússia e China, apesar do seu poder de veto, precisam de votos de outros membros rotativos do Conselho de Segurança, grupo que hoje inclui Brasil e Turquia. Mas, se órgão da ONU acabar votando em favor de novas e mais duras sanções contra o Irã, o entusiasmo demonstrado pelo governo brasileiro nesta segunda-feira terá vida curta. A iniciativa diplomática do Brasil pode acabar expondo os limites da sua influência internacional.

Mas também há sinais de sucesso. Pouco antes da visita de Lula ao Irã, o governo americano demonstrou ceticismo quanto às chances de Brasil e Turquia conseguirem qualquer coisa, um avanço mínimo que fosse. O acordo demonstrou que os dois países, historicamente ausentes do centro de poder organizado no século 20, não podem ser ignorados como novas forças no atual arranjo político internacional.

A Turquia, diante da apatia diplomática e falta de união dos países árabes, tem adotado uma política externa mais agressiva no Oriente Médio. Hoje critica abertamente Israel, um antigo aliado, e ofereceu-se para dialogar com o Irã. O Brasil transformou-se num incontestável líder regional que estabeleceu contatos importantes com praticamente todas as regiões do mundo e é respeitado como voz representativa do mundo emergente. Brasil e Turquia são aliados tradicionais dos Estados Unidos e da Europa ocidental, politicamente ambos são parte do Ocidente, mas agora mostram ter força para traçar caminhos alternativos. Há limites para a ação dessas emergentes potências, mas os sucessos começam a ser reconhecidos. Não se trata exatamente de uma revolução, mas é um movimento irreversível.

A nova política britânica

Rogério Simões | 15:45, quarta-feira, 12 maio 2010

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Nick Clegg, líder do Partido Liberal Democrata, disse nesta quarta-feira, ao lado do primeiro-ministro David Cameron, que a coalizão formada pelos dois representa uma "nova política" na Grã-Bretanha. Não se trata apenas de um novo governo, disse, mas de um "novo tipo de governo". "Nós éramos adversários. Agora somos colegas", disse Clegg, que ganhou o posto de vice-primeiro-ministro. O mundo cinzento das alianças é certamente um mundo novo na política britânica.

O mundo cinzento das alianças

Rogério Simões | 15:57, terça-feira, 11 maio 2010

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politicosukblog.jpgO senador e ex-presidente Fernando Collor de Mello anunciou sua pré-candidatura ao governo de Alagoas. Para quem se esqueceu, Collor já governou o Estado nordestino, tendo sido eleito em 1986 favorecido pela então gigantesca popularidade do presidente José Sarney, do Plano Cruzado e, consequentemente, do PMDB. Como no final o plano não deu certo, Collor deixou o PMDB e passou a culpar Sarney por todas as mazelas do Brasil, como parte da estragégia que o levou ao Palácio do Planalto, em 1989. Muitos anos depois, já reabilitado na política e agora senador pelo PTB, Collor aliou-se ao também senador e também ex-presidente Sarney no Congresso Nacional, compartilhando um novo amigo em comum: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Antigos alvos da fúria política de Lula, Sarney e Collor serão inclusive cabos eleitorais de Dilma Rousseff (PT) na disputa pela Presidência da República.

Essa é a realidade das alianças políticas, capazes de passar por cima de ideologias e mágoas antigas em nome, pelo menos em tese, do interesse comum. Mais conhecidas por muitos como "é dando que se recebe", alianças polêmicas estão longe de se restringir a jovens democracias, como temos visto claramente nos últimos dias. Pouco acostumados com sua necessidade e suas consequências, os britânicos são agora obrigados a enfrentar esse monstro da política, que põe princípios de lado e levam até as mais intransigentes lideranças a dançar com o inimigo.

As eleições para o Parlamento britânico, no último dia 6, não resultaram em um vencedor claro. O Partido Conservador, da oposição, ficou com o maior número de cadeiras e teve o maior número de votos, mas sem conseguir os 326 assentos que o permitiriam governar sem alianças. Com isso, o terceiro colocado, Partido Liberal Democrata, de características "conservadoras" na economia e "esquerdistas" em políticas sociais, virou o fiel da balança. Seu líder, Nick Clegg, anunciou que negociaria um possível acordo primeiramente com os conservadores, do líder David Cameron. Após três dias de conversas, a surpresa: Clegg também vinha negociando, secretamente, com o primeiro-ministro trabalhista, Gordon Brown, que prometeu renunciar ao posto se um acordo de seu partido com os liberais fosse obtido. Ou seja, nas alianças britânicas um acordo entre o segundo e o terceiro colocados nas eleições poderia terminar com um primeiro-ministro diferente dos líderes dos três maiores partidos. O eleitor, que assistiu entusiasmado aos três debates que marcaram a campanha eleitoral deste ano, poderia receber como líder do país alguém que nem esteve presente nos embates na TV.

Como em qualquer processo de composição de aliança, a necessidade de concessão deixa muitos eleitores e as bases dos partidos indignados, perplexos. Parte do Partido Trabalhista disse claramente que não aceita um acordo com os liberais, por diferenças ideológicas (os liberais são vistos por muitos como distantes demais dos sindicatos de trabalhadores) ou programáticas (muitos trabalhistas não querem a reforma que os liberais têm exigido para mudar o sistema eleitoral britânico). Muitos liberais democratas passam mal só de pensar em participar de um governo conservador, e entre os conservadores há quem prometa lutar com unhas e dentes contra a reforma eleitoral liberal, mesmo que esta seja parte inicial de um acordo.

Os britânicos estão mais acostumados a um mundo político preto ou branco, conservador ou trabalhista, assim como os americanos se dividem entre republicanos e democratas. Diante do descrédito do atual sistema e do Parlamento, após um escândalo de abuso de despesas de parlamentares, as preferências políticas diluíram-se nas eleições da semana passada, oferecendo um cenário de divisão e incertezas. Mas muitos acreditam que as alianças, exatamente pela fragmentação das preferências do eleitor e do enfraquecimento das ideologias, serão parte da realidade daqui por diante. O mundo político britânico parece ter se tornado mais cinza, e uma sociedade antes acostumada com posições claras e radicalmente opostas terá de conviver com a dúvida e a acomodação política. Lula, Collor e Sarney são exemplos de um mundo em que a necessidade vem primeiro, e a ideologia depois. Talvez os britânicos tenham de abraçar um mundo novo, que há muito faz parte da realidade brasileira.

Incerteza no reino de Elizabeth

Rogério Simões | 13:14, sexta-feira, 7 maio 2010

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queenblog.jpgA Grã-Bretanha não passa apenas por um momento de incerteza política, vive um verdadeiro dilema constitucional, após as eleições parlamentares de quinta-feira. Como já explicaram alguns analistas da ̳ e historiadores, a única pessoa capaz de acabar com o impasse gerado pelo resultado inconclusivo nas urnas seria a rainha Elizabeth 2ª. A monarca é responsável por convocar o líder com maior apoio político para formar um governo e estabelecê-lo como primeiro-ministro. Entretanto, as eleições não forneceram um vencedor incontestável e, a rainha não deverá tomar partido na atual disputa para se escolher um novo governo, pois isso poderia criar uma crise de fundo ainda mais complexo. Sua majestade simplesmente não pode se meter na política do país, ou seja, a única pessoa com poder suficiente para resolver o impasse político não pode fazê-lo. No melhor estilo britânico, não há outra saída a não ser os políticos chegaram a um acordo entre si. "Mas e se não chegarem?" Quem conhece bem a Grã-Bretanha sabe que tudo aqui baseia-se no consenso, nem a Constituição é um papel escrito, mas sim um conjunto de precedentes e tradições ajudados pelo bom senso. É preciso haver uma solução política. Se não houver, tenta-se de novo. Até aparecer uma.

E qual é exatamente o impasse? O Partido Conservador, hoje na oposição, venceu as eleições, mas não conseguiu o total de 326 cadeiras na Câmara dos Comuns que lhe daria poder para governar sozinho. Com isso, o atual premiê, o trabalhista Gordon Brown, tem o direito constitucional (de novo, nada está escrito, isso é apenas uma tradição de séculos corroborada pela interpretação de especialistas) de tentar formar um governo, apesar de ter perdido a eleição (seu partido ficou em segundo lugar). Em tese, ele precisaria completar a tarefa, com o apoio de outros partidos, até o discurso da rainha, previsto para o fim deste mês. Nesse meio tempo, David Cameron, líder conservador, ficaria esperando a sua vez para formar um governo. Brown, enquanto isso, continua como primeiro-ministro, já que em caso de eleições inconclusivas o premiê precisaria renunciar para outro poder entrar em seu lugar.

O problema é convencer os mercados de que, enquanto políticos britânicos discutem, tudo vai bem no reino de Elizabeth. Nas primeiras horas desta sexta-feira assim que foi confirmado que as eleições não tinham produzido um novo governo. A bolsa de Londres também caiu, como já vinha acontecendo nos dias anteriores por causa da tempestade instalada sobre a Grécia. Gordon Brown declarou aceitar que os líderes dos dois outros principais partidos, o vencedor Conservador e o Liberal Democrata (terceiro lugar), tentem chegar a um governo de coalizão. Mas avisou que, se um acordo não for obtido, tentará governar com os liberais-democratas. Enquanto isso, continua no cargo, apesar da derrota nas urnas. E a rainha Elizabeth 2ª segue sendo informada por seus assessores, longe do centro de Londres, no palácio de Windsor, sobre o estado do seu reino. Sua majestade sabe que o momento inspira cuidados, mas não deve fazer nada a respeito.

Retribuição de grego

Rogério Simões | 13:12, quinta-feira, 6 maio 2010

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greciablog.jpgNão se trata exatamente de um presente. Melhor chamar de retribuição de grego. Afinal, o quadro de dívida pública fora do controle e trabalhadores tomando as ruas, num país "à beira do abismo", como disse seu presidente, é ainda uma consequência direta dos exuberantes anos de dinheiro fácil das décadas de 90 e 2000. Como o Primeiro Mundo finalmente descobriu, durante o auge da crise de crédito em 2008, dinheiro não cai do céu. A Grécia agora sabe disso muito bem. A atual crise grega é prova de que a onda do crédito solto, que seduziu bancos e cidadãos por tantos anos, também viciou Estados nacionais.

O Estado grego foi mal acostumado nas duas últimas décadas, gastando muito mais do que arrecadava, fazendo dívidas e mais dívidas, lembrando inclusive o Brasil dos anos 70. Os militares brasileiros endividaram o país para fazer a ponte Rio-Niterói, o metrô do Rio e de São Paulo etc e, quando o preço do petróleo disparou, foram pegos de calças curtas. Já a elite política grega aumentou os salários do funcionalismo, construiu e, logicamente, produziu os caríssimos Jogos Olímpicos de 2004. É verdade que o governo grego é acusado de, por muitos anos, ter falsificado dados econômicos para esconder o tamanho do buraco econômico que cavou para si mesmo. Mas o país foi vítima do mito do dinheiro fácil. Da mesma forma como se endividar para viver numa casa maior tornou-se símbolo de status nos Estados Unidos e aqui na Grã-Bretanha, ter a mesma moeda que Alemanha e França e gastar até mais do que essas potências europeias virou sinônimo de uma Grécia forte.

No entanto, provada a fraqueza do Estado grego, vem a retribuição, para todos aqueles que compactuaram com a gastança desmedida, Estados, mercados e o impotente cidadão. A União Europeia percebeu que não deveria ter permitido que a Grécia adotasse sua moeda, pois o país, estando no buraco, pode acabar levando junto todo o bloco. Portugal e Espanha temem que, exposto o problema grego, suas fragilidades sejam exploradas por agências de risco e bancos privados. Os bancos, por sua vez, credores de boa parte das dívidas desses preocupantes países, temem não ver seu dinheiro de volta. Se a Grécia for "à falência", ou seja, declarar moratória, uma reação em cadeia pode acabar com a confiança que ainda resta entre instituições financeiras e nações endividadas.

O cidadão grego que viveu os bons tempos sem saber da irresponsabilidade de quem mandava no país agora enfrenta a polícia nas ruas, em confrontos que já deixaram três mortos. Ele sabe que seus ganhos serão reduzidos drasticamente, enquanto os impostos irão às alturas. Até maiores economias fora da zona do euro, como a Grã-Bretanha, temem pelo efeito dominó da crise grega. As bolsas no mundo todo despencam, inclusive a Bovespa. A exuberância irracional dos mercados financeiros, que por 20 anos fizeram a mágica da multiplicação dos dólares, euros e libras, atraiu e viciou a Grécia. A terra de Sócrates, Péricles e Platão agora retribui com uma crise gigantesca, que distribui ameaças para todos os lados.

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