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Arquivo para junho 2010

Copa da América Latina

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Rogério Simões | 14:57, segunda-feira, 21 junho 2010

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argentinablog.jpgExiste alguma relação entre bom momento político e econômico e sucesso em Copas do Mundo? Difícil dizer, mas uma região que a cada ano ganha força e estabilidade parece estar reforçando essa ideia.

Ao final da segunda rodada do Mundial da África do Sul, a América Latina pode ser apontada como o maior vencedor até agora. Enquanto potências europeias tradicionais como França, Inglaterra, Espanha e Itália temem uma precoce e humilhante desclassificação, e os africanos lutam para garantir pelo menos um representante nas oitavas-de-final, os latino-americanos se impõem sobre o resto do mundo. México e Uruguai podem se classificar juntos em um grupo onde muitos viam França e os anfitriões da África do Sul como prováveis vitoriosos. O Brasil obteve sua classificação antes do jogo final, enquanto a Argentina impressionou e já está praticamente garantida na próxima fase. O Paraguai lidera seu grupo à frente da atual campeã, a Itália, e o Chile precisa agora de apenas um empate contra a Espanha para terminar como líder do grupo. A Copa da África tornou-se a Copa da América Latina.

Seria apenas coincidência o fato de a região passar por um bom momento também fora de campo? Depois de praticamente duas décadas economicamente perdidas, de 80 e 90, que pelo menos tiraram a maior parte da região do ciclo do autoritarismo político, a América Latina é hoje levada mais a sério. Tráfico de drogas e violência urbana ainda assustam, como no caso do México. Mas a Colômbia acaba de concluir uma eleição que mostrou maturidade política e recompensou o governo por suas vitórias sobre a guerrilha. Uruguai, Paraguai e Equador recentemente elegeram governos de esquerda sem que isso desestabilizasse sua economia ou governabilidade. Peru e Brasil são exemplos de crescimento econômico em torno ou acima de 5%. Enquanto a mesma Europa que patina na Copa não consegue ver o fim de seus problemas econômicos, a América Latina saiu da crise mundial antes do previsto. Apesar do deslize de Honduras, do regime comunista cubano e de polêmicas envolvendo o governo da Venezuela, a região desfruta de estabilidade e liberdade políticas inéditas em sua história.

O passado nos reserva outras coincidências dentro e fora do campo. O tão sonhado tetracampeonato mundial brasileiro veio em 1994, exatamente quando entrava em vigor o real, a moeda símbolo de estabilidade que finalmente derrotou a hiperinflação. A vitória da Alemanha em 1990, ainda sob o nome de Alemanha Ocidental, simbolizou o nascimento de uma nova, unificada, poderosa nação, meses após a queda do Muro de Berlim. O primeiro título do Brasil ocorreu em uma época de investimentos e otimismo, durante a construção de Brasília e com Pelé simbolizando a força do Brasil emergente dos anos JK. A Argentina de 1986, apesar das dificuldades do governo de Raul Alfonsin, era uma nação confiante no futuro, três anos depois do fim de uma sangrenta ditadura militar. A Inglaterra conquistou seu único título em 1966, época extremamente estimulante para a Grã-Bretanha, com importantes mudanças culturais e sociais ao som dos Beatles e dos Rolling Stones.

Entretanto, a mesma Argentina venceu o Mundial de 1978, quando os generais estavam no auge de seu impulso repressivo marcado por milhares de mortes e desaparecimentos. A vitória brasileira no México, em 1970, ocorreu em um tempo de milagre econômico, mas também de grande repressão política, que não pode ser considerada exatamente uma fase feliz. A Itália de 2006 vivia sua tão comum realidade de governo fraco e dificuldades econômicas. Além disso, a Grã-Bretanha viveu um grande período de prosperidade de 1993 a 2008, com 15 anos de crescimento econômico ininterrupto, sem que isso fosse traduzido em bons resultados para a seleção inglesa. A boa fase de um país não é garantia de sucesso dentro das quatro linhas, e títulos foram obtidos quando o país passava por dificuldades. Mas as vitórias dos últimos dias nos campos da África do Sul coincidem com um dos momentos mais positivos da história da América Latina. A Copa do Mundo ainda está no começo, e o renascimento latino-americano está longe de estar consolidado. Mas, seja dentro ou fora de campo, los hermanos das Américas têm motivos para comemorar.

Festa para a nova África

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Rogério Simões | 12:33, quinta-feira, 10 junho 2010

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africafootball.jpgO futebol não tem o poder de mudar o mundo. Não acaba com a pobreza, não cura doenças, não encerra conflitos armados. Mas a primeira Copa do Mundo na África, que começa nesta sexta-feira, é uma oportunidade para que os africanos, especialmente da região ao sul do deserto do Saara, olhem para si mesmos com orgulho. O Mundial da África do Sul, se conduzido com segurança e competência, será uma referência futura para um continente que, aos poucos, vai encontrando o caminho da estabilidade.

A África é a região mais pobre do planeta, com incontáveis desafios na economia, saúde e política. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a cada 45 segundos uma criança africana morre vítima de malária, doença responsável por 20% das mortes infantis no continente. Na África subsaariana estão quase 70% das pessoas vivendo com HIV/Aids em todo o mundo. Não há como subestimar o tamanho da missão que seus habitantes têm pela frente nas próximas décadas apenas para aproximar o continente do nível de vida encontrado em outras regiões. Mas o progresso ocorrido nos últimos 10 ou 15 anos é significativo. Basta olhar para nações como Ruanda, Serra Leoa, Congo e Zimbábue, entre outros, para ver que os africanos merecem aplausos por terem superado alguns dos capítulos mais tristes de sua história e criado bases para um futuro mais próspero.

Os anos 90 foram marcados por guerras em grande parte da África subsaariana, com destaque para Ruanda, Serra Leoa e Congo. O genocídio de 800 mil tutsis e hutus moderados em Ruanda, em 1994, aos poucos se transforma em uma distante lembrança . Apesar de ainda ser uma nação basicamente agrícola, com a maioria da população abaixo da linha de pobreza, Ruanda tem registrado crescimentos anuais do PIB (Produto Interno Bruto) acima de 5%. A economia de Serra Leoa, país rico em diamantes e com grande potencial turístico, tem crescido em níveis semelhantes. Quase dez anos após o fim da guerra civil, cidadãos sem mãos ou braços, cruelmente cortados por tropas rebeldes, são lembranças de um recente passado de sofrimento. Mas Serra Leoa tem um governo relativamente estável e razões para olhar com otimismo para o futuro. A República Democrática do Congo, que nos anos 90 se transformou num palco de uma guerra africana que também envolveu Angola, Namíbia, Zimbábue, Uganda e Ruanda, desfruta de estabilidade política pelo menos na maior parte do seu território. Os confrontos entre milícias rebeldes e tropas do governo continuam levando o terror ao extremo leste, onde a violência contra civis, incluindo o estupro sistemático, ainda é uma constante arma de guerra. Mas é possível dizer que o país já deixou o pior da sua história para trás. Já o paupérrimo Zimbábue, vizinho da África do Sul, continua com Robert Mugabe no poder (há 30 anos). Mas hoje ele compõe uma coalizão com a antiga oposição, o que colocou um ponto final em boa parte das perseguições e assassinatos políticos e deu esperanças de uma futura recuperação econômica após a pacificação política.

Sobre os anfitriões, o que se pode dizer é que, como todo o continente, a África do Sul tem desafios monumentais. O país é a economia mais vibrante da África subsaariana e o único africano membro do G20. Comparada à situação em que se encontrava no início dos anos 90, quando Nelson Mandela herdou uma nação marcada pela divisão racial e extrema pobreza da maioria negra, a realidade de hoje é superior em muitos aspectos. A democracia sul-africana está consolidada, e o país se autodenomina uma "nação arco-íris". Tensões raciais ainda existem, mas os problemas de hoje são especialmente o desemprego, que atinge 25% dos sul-africanos, e a Aids. , taxa que chega a impressionantes 33% em mulheres de 20 a 34 anos de idade. Mas pelo menos o governo tem hoje uma atitude diferente da adotada pelo presidente anterior, Thabo Mbeki, que por muitos anos negou a ligação entre o vírus HIV e a Aids. O atual líder do país, Jacob Zuma, um polígamo convicto, na melhor tradição zulu, recentemente anunciou não ter o vírus da Aids e promoveu a realização de testes de HIV.

Na noite desta quinta-feira, Zuma apareceu ao lado do presidente da Fifa, Joseph Blatter, em Soweto, em um show que preparava o início da Copa do Mundo. O futebol chegou, finalmente, à África, e a alegria nas ruas da África do Sul é impressionante, mesmo testemunhada à distância, pela televisão. O continente parece feliz e certamente ficará orgulhoso de receber o mundo em tamanha festa esportiva. Espera-se que o torneio seja mais um passo no caminho rumo a uma vida melhor.

Israel, um país sozinho

Rogério Simões | 11:11, sexta-feira, 4 junho 2010

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israelblog.jpgA situação em que vivem os palestinos é insustentável. O mundo todo, inclusive os Estados Unidos, sabe disso há muito tempo. Há pouco a acrescentar sobre sua penosa rotina, de falta de água, falta de comida, destruição de casas ou bombas sobre suas cabeças. Até mesmo Israel está ciente, melhor do que ninguém, das consequências danosas da sua ocupação das terras palestinas, que já dura 43 anos. Portanto não é o estado atual dos palestinos que pode definir o futuro do Oriente Médio. A chave de um futuro de paz para a região é o estado em que se encontra Israel. O que pode colocar um fim nesse conflito é Israel se convencer que sua situação atual é, assim como a dos palestinos, insustentável.

A desastrosa operação contra a frota de embarcações carregando ativistas em direção a Gaza, em que as forças de Israel mataram nove dos passageiros, isolou ainda mais o Estado judeu. Israel praticamente acabou com a amizade de décadas que desfrutava com a Turquia, uma democracia muçulmana integrante da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Os efeitos do abalo dessa relação, que já vinha se deteriorando, ficaram claros um dia após o ataque à frota. Israel mantinha as centenas de ativistas detidos, ameaçando inclusive indiciar boa parte deles criminalmente, quando o secretário-geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen, exigiu a libertação de todos. Dentro da aliança militar ocidental, um ataque a um de seus membros é visto como um ataque a todo o bloco. A Turquia, de onde vieram todos os nove mortos, declarou a ação israelense como criminosa e pediu uma atitude da Otan. Israel não teve escolha: em poucas horas, acatou o pedido de Rasmussen e libertou os detidos.

Os danos à imagem de Israel não pararam por aí. A União Europeia condenou o ataque, e a Grã-Bretanha, que nos tempos de Tony Blair portava-se quase como um aliado incondicional de Israel, não mediu suas palavras. O ministro do Exterior, o conservador William Hague, exigiu uma investigação sobre o incidente e disse que o episódio mostrava que o bloqueio da Faixa de Gaza deveria acabar. Segundo Hague, a medida, imposta em 2007, depois que o grupo Hamas tomou o controle do território, tem efeito "sobre uma geração de jovens palestinos". Em outras palavras, Israel pode estar gerando novos militantes prontos para atacar o Estado judeu no futuro. Além de injusto com a população civil, o bloqueio estaria sendo, na visão britânica, prejudicial à própria segurança de Israel. O país parece também ter perdido parte de sua amizade com o Egito. O vizinho, primeiro país árabe com quem Israel assinou um acordo de paz, decidiu abrir indefinidamente o posto de Rafah, na fronteira com a Faixa de Gaza, como protesto contra o ataque em águas internacionais do Mediterrâneo. Com a medida, o bloqueio a Gaza passa a ser apenas israelense, e não uma ação conjunta com o governo egípcio. Para completar, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, também exigiu a suspensão do bloqueio a Gaza, alertando que o sofrimento dos seus 1,5 milhão de habitantes não pode continuar.

Mas Israel sempre pareceu ignorar a falta de aliados, desde que os Estados Unidos continuem do seu lado. Tal relação, entretanto, vem sendo abalada há meses, primeiro pela recusa israelense em atender o pedido do presidente Barack Obama para que interrompesse a construção de casas em territórios palestinos (Jerusalém Oriental inclusive). Washington estendeu a mão a Israel após o ataque no Mediterrâneo, garantindo que o pronunciamento do Conselho de Segurança da ONU fosse mais brando do que queriam outros membros. Mas a secretária de Estado Hillary Clinton foi clara ao falar da Faixa de Gaza: "A situação em Gaza é insustentável e inaceitável", disse Clinton, que nos últimos meses já vinha pressionando Israel a voltar à mesa de negociações com a Autoridade Palestina. Os Estados Unidos continarão sendo o melhor amigo de Israel no mundo, mas tal amizade não é mais incondicional, como nos tempos de George W. Bush. Além disso, o poder da maior potência do planeta é hoje relativamente menor, portanto Washington sabe que não pode manter o status quo no Oriente Médio por muito mais tempo.

Após transformar a aliada Turquia em um quase inimigo, perder a parceria do Egito no bloqueio a Gaza, provocar uma resposta indignada da Grã-Bretanha, testar a paciência dos Estados Unidos e causar um estado geral de ira no mundo, será que Israel ainda acredita ser possível viver sozinho, sem amigos? É verdade que, , o premiê conservador Stephen Harper fez do Canadá o mais novo e entusiasmado amigo de Israel. Mas o Canadá não tem influência nem relevância suficientes para melhorar a difícil situação do Estado judeu. Alguns países no mundo optaram pelo isolamento político e econômico, como Coréia do Norte e Eritreia. Israel sempre se orgulhou de ser uma democracia moderna, com fronteiras e economia abertas para o mundo, mas parece não ter percebido que sua situação atual é cada vez mais insustentável. Sem fronteiras oficialmente definidas, com um provável arsenal nuclear escondido da comunidade internacional, sem aliados entre seus vizinhos, cada vez mais distante de seus antigos amigos e com uma imagem negativa ao redor do mundo, Israel segue o caminho do isolamento. A paz, como todos sabem, fica na direção oposta.

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