Para os gulosos, assim como para os lojistas, quanto mais cedo começar a época natalina, melhor. Foi com essa brilhante ideia em mente que minha namorada, a Clare, sugeriu um pulinho ali no continente para uma visita aos mercados de Natal alemães.
E olha: palma para os alemães, porque nesse quesito, como em outros, eles sabem o que fazem. Não tem nada mais natalino do que passear, no cair da tarde, entre as barracas de madeira que oferecem as suas comidas, bebidas, badulaques, artesanato e enfeites. A regra é comer de pé, esquentando-se com vinho quente e vendo o povo andando para lá e para cá.
Foi isso que fizemos em cinco dias em Colônia, que eu já queria conhecer. A cidade em si vale a pena em qualquer época do ano: foi um importante núcleo romano antes da era cristã, um centro católico que resistiu à adoção da religião luterana e uma vibrante urbe para onde convergem cultura, negócios, gente de todos os tipos.
Além de uma dúzia de igrejas, pelo menos três ou quatro museus que valem a pena, e dezenas de delicatessen (Konditorei) espalhadas pela cidade, na época de Natal, Colônia recebe também uma porção de feiras de rua natalinas, inclusive uma na qual todos os feirantes se vestem como na Idade Média. Enquanto o visitante passeia pelas barraquinhas, músicos tocam instrumentos medievais e peças são encenadas a caráter.
Mas foi a gastronomia a rainha da viagem. A começar da obrigatória Bratwurst, o conhecido salsichão, acompanhada da cerveja local, a leve e saborosa Kölsch – e depois dela, todo o resto.
Das comidinhas de feira, a que fez mais sucesso entre nós foi o Rievkooche, uma espécie de bolinho achatado feito de batata, frito, acompanhado de purê de maçã ou, melhor ainda, de mirtilo. A combinação salgado-doce é de dar água na boca, mas o principal motivo de ser tão bom é que, no inverno, nada fala tão diretamente aos seus instintos.
Outra delícia é o sanduíche de salmão grelhado que não passa despercebido aos olhos e narinas dos visitantes. Matei saudades ainda de um cura-ressaca sem igual, o Leberkäse, um embutido de diversas carnes e cebola que depois é assado e, quando pronto, se parece com um pão.
De sobremesa, os deliciosos pães doces de frutas secas com marzipã (Stollen), de mel, frutas e especiarias que não levam farinha (Früchtebrot), biscoitos de gengibre (Lebkuchen ou Pffefferkuchen), bolinhos de chuva e tantos outros de fazer o apetite saltar já pelos olhos.
Mas se o amigo acha que acabou, prepare-se. Porque depois de bater perna por museus, igrejas e mercados, não tem nada como um bom prato de comida para recuperar as forças. Foram apenas três jantares em Colônia: os três inesquecíveis.
No primeiro dia, fomos a uma tradicional cervejaria, ou Brauhaus – a Haxenhaus, perto do mercado velho. Lá, junto com uma refrescante Kölsch, tracei uma deliciosa coxa de ganso com chucrute de repolho roxo e dumplings de batata. Clare deu conta de prato de chouriço negro acebolado sobre purê de batatas e maçãs – um prato conhecido localmente pelo singelo nome de Himmel und Ääd, ou Céu e Terra.
No segundo dia, em um restaurante mais cheio de pompa (o Em Krützche, que se gaba de ter servido jantar para os líderes do G8 em 1999), dividimos um delicioso faisão acompanhado de chucrute e purê de batatas. O interessante é que você termina o primeiro prato e a garçonete não oferece um pouco mais de carne: ela traz um novo prato, com mais uma porção de purê e chucrute, e você começa tudo de novo como se fosse da primeira vez. A ocasião pedia um sedutor vinho da uva Riesling, categoria Kabinett, seco e mineral como só dá na Alemanha.
No último dia, fizemos sala no bar ao lado por cerca de uma hora, mas finalmente conseguimos lugar na Päffgen, uma cervejaria à moda antiga que faz sua própria Kölsch e foi o ápice da nossa experiência em uma Brauhaus. Você acha uma mesa (muitas vezes, na mesa dos outros), senta e pede uma cerveja.
É espírito de botequim, abarrotada de gente, com garçons apressados e eficientes, conversa fácil entre o seu grupo e o grupo do lado, e comida farta e boa.
Clare fechou a visita com um bom porco assado inteiro no espeto e na brasa acompanhado de batatas salteadas e eu, com um delicioso cozido de veado com molho de cogumelo e ervas, macarrõezinhos de batata salteados e purê de maçã e mirtilo.
Comecei a época natalina cometendo o pecado da gula, eu sei. Mas não dava para desperdiçar a oportunidade de saborear a cozinha alemã para além daqueles pratos que são mais conhecidos.
Daqui até o Natal propriamente dito, hei de me redimir com o santo lá em cima. Nada que umas semaninhas caprichando na salada e dispensando a sobremesa não moderem a ira divina.
PS - Os francófilos talvez apreciem a dica de um bistrô que conhecemos na mesma viagem, ao fazer escala em Paris na rota de trem para Colônia. Le Gaigne, se chama. Não deve ter sequer dez mesas, a dona serve e faz as reservas e o marido comanda as panelas. O interessante nesse restaurante é que o estabelecimento, aberto em 2008, saiu em uma reportagem do New York Times sobre bistrôs parisienses em conta e desde então não parou de receber gente. A dona me explicou que, em determinado momento, as filas dobravam o quarteirão e as reservas demoravam mais de seis meses. Felizmente, ela disse, agora as coisas estão mais tranquilas. De entrada, minha terrine de coelho estava deliciosa e o creme de castanhas portuguesas da Clare, para comer de joelhos. O dzܳé foi despejado na tigela sobre uns noodles de abóbora que impressionaram logo de cara. Em seguida, meu frango com alcachofra, creme de milho, pipocas e sementes de romã casou perfeitamente com um tinto da Borgonha aromático, sedoso e suculento. De sobremesa, bolinhos de semolina com sementes de uvas Muscat e Chassélas. Amém.