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Mais um dia de caos em Londres

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Daniel Gallas | 13:41, terça-feira, 22 dezembro 2009

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Nunca deixo de me espantar com a falta de preparo de Londres contra a neve. A impressão que eu tenho é que qualquer neve, por menor que seja, já transforma a cidade em um cenário daqueles filmes de catástrofe, à la Hollywood.

No inverno passado, no dia 2 de fevereiro, a cidade ficou completamente paralisada pela neve que caiu durante a madrugada.

london226s.jpgNaquela ocasião, todo o transporte público foi cancelado e apenas os serviços essenciais funcionaram. Grande parte das pessoas sequer saiu de casa. Justiça seja feita, aquela tinha sido a maior nevasca do sudeste da Grã-Bretanha em 18 anos.

Nesta segunda-feira, a neve voltou a parar a cidade. Desta vez, caiu muito menos neve, mas novamente o estrago foi enorme. Acho que talvez tenha sido até um pouco pior do que a nevasca histórica, pois ela caiu à tarde, quando muitas pessoas já estavam no trabalho e não tiveram a opção de ficar em casa. À noite, as ruas estavam tomadas de pessoas querendo voltar para casa.

Saí do trabalho às 19h30 de ontem e fui tentar pegar o ônibus. Antes de sair, consultei o site da secretaria de Transportes de Londres que, naquela hora, informou que quase tudo estava funcionando normalmente.

Informação completamente falsa. Ao sair, a primeira parada que vi no centro da cidade tinha, no mínimo, 70 pessoas aglomeradas à espera do ônibus. Na rua, pouquíssimos carros circulavam.

Resolvi não perder tempo e comecei a caminhar os seis quilômetros que separam o trabalho da minha casa.

No trecho inicial, perto do rio Tâmisa, o que vi foram centenas de pessoas nas paradas de ônibus - inclusive vários idosos, gestantes e pessoas com cadeiras de roda, sem opção para chegar em casa e aguentando temperaturas próximas de zero. Os poucos táxis que circulavam já estavam ocupados.

Aqueles que, como eu, se aventuraram pelas ruas, tiveram que combinar a caminhada com patinação, já que várias calçadas ficaram cobertas com uma fina camada de gelo. Cheguei ileso em casa, mas vi quatro tombos ao longo do caminho.

eurostar226s.jpgNo trecho mais próximo da minha casa, o cenário era o inverso. O congestionamento de carros e ônibus era quilométrico e as paradas estavam vazias. Ultrapassei mais de 15 ônibus a pé. A maioria não transportava passageiros, já que as pessoas perceberam que caminhar seria mais rápido. Nas calçadas, uma romaria de pedestres se juntou a mim.

Próximo da minha casa, todas as ruas estavam paradas devido a um grave acidente de carro. Na minha rua, vi três carros deslizando lentamente pelo gelo, completamente sem controle. Por sorte (ou milagre) ninguém se machucou nesse perigoso balé.

Só fui ter a dimensão real do caos na cidade quando - ao chegar em casa após uma hora e meia de "patinação no gelo cross-country" - vi pela televisão as notícias.

Alguns aeroportos fecharam; a British Airways cancelou 24 de 27 voos em Heathrow. Estradas na capital ficaram paradas - primeiro devido ao congestionamento causado pela neve e depois devido às centenas de carros que foram abandonados em plena pista (as autoridades pediram para os motoristas deixarem bilhetes com seus telefones no vidro do carro).

O Eurostar - serviço de trem entre Paris e Londres - está parado desde a semana passada, também devido a um problema relacionado à neve. O clima na estação de St. Pancras, de onde partem os trens, é de desespero e revolta popular.

Meu prejuízo foi pequeno até. Em vez dos 50 minutos que levo geralmente de ônibus ou bicicleta até a minha casa, precisei de uma hora e meia. Para outros colegas aqui da ³ÉÈËÂÛ̳ Brasil, o drama foi maior. Alguns precisaram de mais de duas horas - mais do que o dobro do tempo normal.

Por que a cidade para assim? A impressão que eu tenho é que ninguém sabe explicar com certeza.

Um motivo comum apontado pela imprensa é a falta de caminhões de neve - que desobstruem as estradas e espalham sal e areia para aumentar o atrito nas pistas. Uma repórter da TV disse ter andado dezenas de quilômetros em Londres e visto apenas um caminhão em toda a cidade.

É incrível que a cidade fique nesse estado por tão pouco. A neve que caiu ontem não foi nada de extraordinário. Uma cidade que está investindo tanto para receber as Olimpíadas em 2012 - que acontecerão no verão - talvez pudesse pensar um pouco também na sua infra-estrutura para aguentar o inverno.

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Bibliotecas públicas e a voz da comunidade

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Daniel Gallas | 12:02, sexta-feira, 11 dezembro 2009

Comentários (5)

Esses dias eu percebi que um hábito de consumo meu mudou muito desde que me mudei para Londres. Eu praticamente parei de comprar livros aqui. Neste ano, só comprei dois livros.

library226.jpgNo entanto, 2009 foi um ano em que li vários livros - de clássicos a lançamentos recentes. O motivo disso são as excelentes bibliotecas públicas de Londres. É difícil achar defeitos nas bibliotecas daqui. Os catálogos são atualizadíssimos, quase sempre com várias cópias dos últimos lançamentos do mercado. Os prazos são flexíveis (três semanas por livro), com multas baixas e possibilidade de renovação pela internet.

Caso você não encontre um livro na sua biblioteca, mas que está disponível em outra do mesmo bairro, é possível encomendá-lo via internet para que ele seja retirado na biblioteca mais próxima da sua casa. Eu, que moro na fronteira de dois bairros de Londres - Lambeth e Southwark -, ainda tenho a vantagem de poder explorar os catálogos dos dois bairros.

Isso sem falar no vasto catálogo de CDs e DVDs, que são alugados a baixos preços. Isso explica por que há tão poucas locadoras de filmes em Londres. É impossível competir com a biblioteca pública.

Além disso, as bibliotecas se esforçam para unir pessoas de interesses comuns na comunidade. Há mais de um ano, minha esposa e eu estamos frequentando um grupo de leitores de quadrinhos. Nunca fui um grande fã das "graphic novels", mas confesso que graças ao grupo conheci vários quadrinhos com qualidade superior a de muitos livros da literatura clássica, como a série Love & Rockets, dos irmãos Hernandez.

Pois foi frequentando o grupo de quadrinhos que tive uma inusitada experiência de participação política nas decisões da comunidade daqui.

Há dois meses, os administradores das bibliotecas de Lambeth decidiram encerrar as atividades do grupo de quadrinhos do qual eu participo. Na visão deles, não havia necessidade de pagar hora extra para o funcionário que organizava os encontros. As reuniões acontecem uma vez por mês às 19h30, o único horário possível para quem trabalha durante o dia.

Nós não aceitamos uma possível troca de horário e o funcionário disse que, nesse caso, não havia nada que ele pudesse fazer para salvar o grupo, que teria de ser encerrado. Mas ele sugeriu que nós, os usuários do serviço, poderíamos enviar cartas e e-mails para protestar contra a decisão.

Depois de três e-mails enviados, a biblioteca recuou da decisão e optou por continuar com o encontro no horário marcado, arcando com os custos de se manter as reuniões naquele horário.

Ficamos contentes com a decisão, porque o grupo faz um trabalho de alta qualidade ao longo dos últimos quatro anos e com grande participação de pessoas da comunidade. Com ajuda de outros grupos de quadrinhos de Londres, já recebemos a visita de ilustradores famosos, como Kevin O'Neill, da Liga de Cavalheiros Extraordinários, e D'Israeli, de Scarlet Traces.

Fiquei pensando que algumas experiências da Grã-Bretanha eu gostaria muito de poder exportar para o Brasil. Uma delas é o acesso gratuito ou com baixo preço a livros, discos e filmes para todos - tudo com dinheiro público. A outra é a de ter a minha voz ouvida nas decisões da comunidade, por menores e mais irrelevantes que elas possam parecer para os demais.

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