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Minist茅rio da Comida 2

Thomas Pappon | 17:46, sexta-feira, 24 setembro 2010

Coment谩rios (6)

Ent茫o. Como disse no post anterior, o racionamento foi introduzido no Reino Unido para que todos tivessem, como o governo dizia, 鈥渦ma parte justa do que estava dispon铆vel鈥.

E os submarinos alem茫es se encarregaram, pelo menos entre 1939 e 1945, de zelar para que apenas artigos essenciais estivessem na mesa dos brit芒nicos. Entre eles os
legumes e verduras que mencionei antes, que n茫o eram racionados. O resto dependia do estoque.

A distribui莽茫o era controlada atrav茅s de cupons. Cada homem, mulher e crian莽a fazia um registro em uma mercearia, onde recebiam um caderno, o ration book.

O governo s贸 entregava a cada mercearia os produtos condizentes ao n煤mero de pessoas registradas.听

O cidad茫o entrava na mercearia, entregava o rationbook3.jpgcaderno, fazia o pedido, o dono carimbava os cupons utilizados.

Cada pessoa podia comprar (por semana):

50 g de manteiga
225 g de a莽煤car
100 g de bacon ou presunto
75 g de queijo
2 ovos

As pessoas ainda podiam comprar p茫o, cereais e enlatados - entre eles a lata de ovo em p贸 (!) -, conforme o estoque permitia. Mas quem quisesse mais carne ou queijo tinha que buscar no mercado negro e correr o risco de ser preso ou multado.

Outra sa铆da era seguir os ensinamentos de um livro bastante popular na 茅poca, They Can鈥檛 Ration These聽 (Eles n茫o podem racionar esses), escrito pelo Vicomte de Mauduit, um aristocrata e foodie franc锚s que conhecia bem a Inglaterra聽 e que d谩 uma s茅rie de dicas mostrando 鈥渙nde procurar e como se aproveitar da vasta dispensa da natureza鈥.

Ele ensina como preparar esquilos, pardais, ouri莽os, sapos e at茅 cisnes, animais que podiam ser encontrados sem maiors problemas nas florestas brit芒nicas.听

E quem n茫o tivesse o que ou onde comer - quem teve sua casa bombardeada ou quem j谩 tinha gastado os seus cupons 鈥 podia comer nas cantinas comunit谩rias (foto abaixo) criadas pelo Ministry of Food聽 e gerenciadas por comit锚s locais.

S贸 Londres tinha 200 dessas cantinas, que serviam um prato b谩sico por 1 libra (U$2, na 茅poca). Elas n茫o tinham fins lucrativos e eram chamadas inicialmente de Community Feeding Centers. Mas o premi锚 Winston Churchill achou que o nome tinha um tom comunista e rebatizou-os de British Restaurants.听

cantina300.jpg

A Segunda Guerra foi o conflito mais mort铆fero da hist贸ria mundial, s贸 no Reino Unido ele matou meio milh茫o de pessoas. Mas, para os que sobreviveram, o pa铆s funcionou, nesse per铆odo, como um spa.

A dieta era 脿 base de legumes e verduras frescas, comia-se em quantidades moderadas聽 e quase n茫o se consumia gordura.

As pessoas reclamavam pacas - e li que houve festa quando finalmente as bananas voltaram a aparecer nas quitandas, em 1945.

Mas deu no que deu: os casos de diabetes ca铆ram, e, em m茅dia, a popula莽茫o emagreceu e ficou mais alta.

O racionamento foi sendo gradativamente reduzido, e s贸 terminou em 1954.

**

Ouvi de filhos e netos de pessoas que viveram esse per铆odo relatos de que muitos ficaram com trauma de certos alimentos.

Como de swede, o couve-nabo-da Su茅cia, por exemplo, ou de coisas que foram, por per铆odos curtos, a 煤nica op莽茫o de carne dispon铆vel, como carne de baleia.

Muitos passaram para os filhos h谩bitos como o de nunca deixar comida sobrando no prato ou jogar comida fora.

E muitos aprenderam a plantar gra莽as 脿s campanhas do Ministry of Food, que acabou, sem querer, ajudando a transformar a jardinagem em uma obsess茫o nacional.听

Minist茅rio da Comida

Thomas Pappon | 15:35, sexta-feira, 17 setembro 2010

Coment谩rios (10)

Em 1940, a vida da dona-de-casa aqui em Londres n茫o era f谩cil.

Carne fresca era artigo raro e de luxo, frutas importadas como banana e laranjas, nem pensar. Todos os itens que formavam o que seria a cesta b谩sica da 茅poca 鈥 obtidos em quitandas e armaz茅ns (supermercados e geladeiras, s贸 nos anos 50) - eram racionados.

foto_fila_racao350.jpg

E l谩 fora, choviam as bombas da Luftwaffe.

Mas aqui h谩 uma hist贸ria boa de ser contada. A de como a guerra, 70 anos atr谩s, for莽ou centenas de milhares de pessoas a aprender a produzir a pr贸pria comida, a reciclar, a combater o desperd铆cio e a manter uma dieta balanceada, no莽玫es t茫o respeitadas nos dias de hoje.

Aprendi em uma exposi莽茫o sensacional no Imperial War Museum (Museu Imperial da Guerra) que esse esfor莽o coletivo foi coordenado pelo governo, que criou, em setembro de 1939, o Ministry of Food 鈥 o Minist茅rio da Comida 鈥 com a miss茫o de supervisionar o racionamento de comida e orientar a popula莽茫o, que se preparava聽 para a Segunda Guerra.

poster_dig226.jpg

Quando a guerra come莽ou, o pa铆s produzia apenas um ter莽o de sua comida. A ideia era mudar esse quadro, reduzindo drasticamente a depend锚ncia de importados.

As primeiras grandes mudan莽as vieram no campo. Grande parte dos pastos foram transformados em planta莽玫es, quando se constatou que um acre (4 mil m虏) de pasto rendia carne para alimentar duas pessoas, e que esse mesmo acre poderia dar batatas, cebolas e cenouras para alimentar at茅 40 pessoas.

A cria莽茫o de porcos, frangos e ovelhas foi reduzida, s贸 a de bovinos aumentou, por causa da demanda, nas cidades e no Ex茅rcito, por leite.听

A mecaniza莽茫o floresceu, dezenas de milhares de mulheres e alunos de escolas ajudaram, voluntariamente, na lavoura e nas colheitas 鈥 juntamente com milhares de prisioneiros de guerra. A produ莽茫o de trigo, batatas e cereais disparou.听

Depois vieram as cidades. Campanhas por r谩dio, cinema e cartazes divulgavam o esp铆rito do fa莽a-voc锚-mesmo em lemas como Dig for Victory (Cave pela Vit贸ria), Grow Your Own (Plante o seu pr贸prio) e War on Waste (Guerra ao Desperd铆cio).

Lord Woolton, o ministro da Comida, dizia no r谩dio que 鈥渃ada fileira extra de legumes e verduras economiza transporte mar铆timo鈥 鈥 aqui vale lembrar que mais de 30 mil pessoas morreram nos navios mercantes que levavam v铆veres ou outros bens para a ilha.

poster_mesa_jardim226.jpg

Em cartilhas, o governo ensinava e incentivava a popula莽茫o a fazer o seu pr贸prio adubo, a criar galinhas e a plantar nos jardins de casa - ou nos allotments (coisa bem europeia, lotes alugados nos sub煤rbios para serem aproveitados nos fins de semana) 鈥 os legumes e verduras que d茫o bem na Gr茫-Bretanha: cenouras, batatas, parsnip (pastinaca?), repolho, cebola, alho-porr贸, nabo, br贸colis e couves. E d谩-lhe cenoura e batata.

Lendo a lista, d谩 para entender porque tantos morriam de saudade de qualquer coisa que n茫o fosse batata ou cenoura. A comida, nesses tempos de racionamento, em que as pessoas tinham direito a tr锚s fatias de bacon e 75g de queijo por semana, era muito boring (sem gra莽a).听

Sabendo disso, o Ministry of Food encomendava a chefs conceituados receitas de pratos feitos com esses produtos, para depois divulg谩-las com ar de 鈥渘ova sensa莽茫o鈥.

O mais famoso, bastante conhecido at茅 hoje, foi a Lord Woolton pie (foto abaixo), uma torta vegetariana criada pelo chef聽 Francis Latry, que comandava a cozinha do famoso Hotel Savoy, em Londres.

A receita, divulgada oficialmente pelo jornal The Times, em 26 de abril de 1941, 茅 ridiculamente simples:

Cortar em cubos batatas, couve-flor, swede (肠辞耻惫别-苍补产辞-诲补-厂耻茅肠颈补) e cenouras (meio kg de cada).听

Ferver por dez minutos (em 谩gua suficiente para cobrir os legumes) acrescentando tr锚s cebolinhas, uma colher de ch谩 de extrato de legumes (caldo de legumes) e outra de farinha de aveia, e mexendo de vez em quando para que os legumes n茫o grudem na panela.听

wooltonpie.jpg

Deixar esfriar. Por numa tigela. Acrescentar salsinha picada e cobrir com uma tampa de massa feita de batatas e farinha integral. Assar num forno at茅 a tampa聽 estar marrom. Servir com gravy (molho).

Vi um document谩rio em que um chef seguiu a receita 脿 risca. Os convidados comeram e gostaram 鈥 com entusiasmo contido, diga-se.

O fato 茅 que聽comer, na 茅poca, era uma experi锚ncia exclusivamente ligada 脿s necessidades de alimenta莽茫o. Comia-se para ter energia suficiente para enfrentar a guerra e o frio.

E, sob um certo vi茅s, nunca se comeu t茫o bem. Isso 茅 o que mais me impressionou nessa hist贸ria toda: que o pa铆s inteiro nunca esteve t茫o saud谩vel e em forma como no fim da guerra, em 1945.

E aviso: no pr贸ximo post, vou falar mais聽do racionamento e do legado disso tudo.

O gosto de sempre

Thomas Pappon | 14:24, sexta-feira, 10 setembro 2010

Coment谩rios (8)

Na semana passada fez 100 anos que a lata da sopa de tomate Heinz chegou 脿s prateleiras brit芒nicas.

Longe de ser uma data lembrada apenas no site do fabricante (o mesmo dos baked beans que tamb茅m j谩 louvamos aqui no blog), o centen谩rio foi assunto de v谩rias p谩ginas em alguns jornais na Gr茫-Bretanha.

Os brit芒nicos amam sua sopa de tomate enlatada. Segundo o jornal The Independent, ela "define" os brit芒nicos, "assim como croissant define os franceses e o chorizo os espanh贸is".听

E ela continua em alta, 100 anos depois, apesar de todas as (grandes) mudan莽as nos h谩bitos de alimenta莽茫o e consumo do s茅culo passado, da chegada da geladeira, da comida congelada e de sucessivas ondas de demoniza莽茫o da comida processada industrialmente.

Nenhum m锚s vendeu tantas latas da sopa Heinz na Gr茫-Bretanha como janeiro passado: 53,7 milh玫es de unidades, o que d谩 quase uma lata por pessoa no pa铆s.

Por que tanta gente ainda compra sopa em lata? Vejamos.

A primeira f谩brica de latas de conservas do mundo foi aberta em junho de 1813, no bairro de Bermondsey, aqui perto do Servi莽o Mundial da 成人论坛, para suprir a demanda por alimentos n茫o perec铆veis da Marinha brit芒nica.

S贸 cem anos depois, na primeira metade do s茅culo 20, 茅 que os enlatados passariam a virar xod贸 das donas de casa aqui e nos Estados Unidos, no que Andrew F. Smith, autor de Souper Tomatos: The Story of Americas Favorite Food, chama, no Independent, de "a revolucion谩ria mudan莽a do campo de batalha para a cozinha".

heinz.jpg

Segundo Smith, os enlatados "mudaram a din芒mica da fam铆lia" e "pela primeira vez, a classe trabalhadora passou a ter acesso a uma ampla variedade de comida nutritiva".

E mais: por ter cortado consideravelmente o tempo de preparo de refei莽玫es para a fam铆lia, a lata teria ajudado a abrir o caminho para a emancipa莽茫o feminina.

Os tempos mudaram e hoje muitas donas de casas (essas ingratas), mais preocupadas com o frescor e a origem dos alimentos, veem os enlatados como um s铆mbolo de comida que n茫o deve ser servida na mesa. S贸 para o cachorro.

Mas, afinal, por que tanta gente ainda compra sopa聽em lata?

Porque os enlatados em geral permitem uma refei莽茫o barata, r谩pida e segura. O consumidor sabe exatamente o (pouco) trabalho que vai ter para preparar a comida e o gosto que vai sentir - o gosto de sempre.

E tamb茅m porque alguns聽enlatados s茫o simplesmente irreproduz铆veis na cozinha. Como os baked beans.

Comi boas聽sopas de tomate, mas, assim como聽milh玫es de ingleses, gosto mesmo 茅 da vers茫o enlatada do que a rigor se chama de "creme de sopa de tomate". 聽

Os brit芒nicos tamb茅m amam聽os spaghetti hoops, um macarr茫o em forma de an茅is com molho de tomate. Mesmo de f茅rias na It谩lia, eles querem mais 茅 o espaguete enlatado.

Sei que muita gente n茫o compra comida em lata. Mas tenho certeza que v谩rios leitores desse blog saber茫o apontar pelo menos um ou dois enlatados que s茫o como pequenos prazeres secretos em suas vidas.

Eu cito mais um favorito meu: o ravi贸li de carne com molho de tomate da Heinz. 脡 bom demais, em especial com um pouco聽de queijo parmes茫o ralado.

O arroz da felicidade

Thomas Pappon | 16:22, sexta-feira, 3 setembro 2010

Coment谩rios (5)

N茫o sou grande f茫 de arroz, mas sei bem do lugar sem rival que o gr茫o ocupa em v谩rias culin谩rias (basta lembrar de duas coisas sensacionais que n茫o existem sem arroz: feij茫o e peixe cru).

O arroz n茫o 茅 muito comum na cozinha europ茅ia. Para se ter uma id茅ia, o maior consumidor per capita no continente 茅 Portugal. Nas cozinhas alem茫, francesa e brit芒nica - e nos EUA -聽 arroz 茅 pouco apreciado.

Mas no resto do mundo, a coisa muda de figura. No Brasil, n茫o h谩 mesa posta sem arroz - e n茫o 茅 脿 toa que o pa铆s 茅 o 煤nico n茫o asi谩tico na lista dos dez maiores produtores do mundo.

Aqui em Londres, por causa da forte presen莽a das comunidades asi谩ticas, os tipos mais encontrados s茫o o basmati (indiano) e o thai jasmine.

O arroz preferido l谩 em casa 茅 o basmati, que funciona muito bem no arroz e feij茫o. Preparado 脿 moda brasileira, ele fica soltinho e ainda resguarda um aroma distinto.

gaba.jpg

Mas o que eu queria contar aqui 茅 que li no Times um coment谩rio do foodwriter Alex Renton sobre uma amostra de um novo tipo de arroz que ele tinha recebido de uma cadeia de restaurantes tailandeses.

Trata-se de um super-arroz desenvolvido nas fazendas da rainha da Tail芒ndia, um cruzamento de quatro tipos de arroz thai que resultou num arroz multicolorido que Rentos descreve como "borrachudo e cheio de sabores da terra".

Pelo seu alto conte煤do de endorfinas e enzimas, o arroz foi apresentado pelos produtores como tendo as propriedades de "aliviar estresse e ansiedade".

Esse "arroz da felicidade" foi batizado de "gaba", numa refer锚ncia ao componente 谩cido gamma-aminobut铆rico, um dos neurotransmissores que ajudam a regular o sistema nervoso e que tem um papel importante no crescimento e no desenvolvimento de m煤sculos.

Rentos conta que aparentemente o amino谩cido est谩 no arroz gra莽as a um processo que envolve a fermenta莽茫o da semente antes de sua germina莽茫o.

O colunista disse que se sentiu "relaxado" depois de comer o arroz.

Nas escolas e pris玫es,聽por exemplo, pode ser uma boa pedida.

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